quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A estereotipia da cegueira: o caso “ Devassa Dark Ale”

Fui convidada por uma ativista feminista para escrever um texto no âmbito dos estudos dos gêneros para o blog do grupo, resolvi partilhar aqui no meu cantinho também!


A estereotipia da cegueira: o caso “ Devassa Dark Ale”

Enquanto publicitária e pesquisadora sempre me surpreendo com os conceitos e “sacadas” criadas pelos colegas de profissão, positivamente ou negativamente. A publicidade brasileira é repleta de bom humor e reconhecida mundialmente pela sua criatividade. No entanto, é fácil perceber o quanto a nossa sociedade possui valores patriarcais e machistas, com a insistência do discurso comum, e na repetição de estereótipos.

A sociedade ocidental apresenta uma longínqua existência de uma hierarquia entre os gêneros. Esta diferenciação conduziu a concepção de papéis sociais diferentes e socialmente aceitos para homens e mulheres. Este fato levou ao desenvolvimento de uma simplificação desses papéis na forma estereótipos de gênero. Partindo das questões debatidas pelos estudos feministas, onde a mulher esteve sempre retratada na literatura e na arte como santa, esposa, mãe ou prostituta, não é difícil perceber o caráter redutor na retratação da mulher pela mídia.

Por exemplo, a História da Arte explica que a maioria das mulheres retratadas antigamente, salvo os quadros encomendados pelas famílias e de cariz religioso, eram prostitutas ou consideradas promiscuas. Na maioria das obras estas mulheres foram retratadas com pouca ou nenhuma vestimenta. Neste mesmo período, em algumas sociedades, estas mulheres eram obrigadas a vestir uma peça de roupa amarela ou vermelha para se diferenciarem das demais mulheres. Estas cores significavam o pecado e a promiscuidade. Coincidências a parte, as mulheres retratadas em comerciais de cerveja utilizam trajes quase que apenas nestas cores.

Sim, são cores quentes ligadas ao sexo, a energia e a vivacidade. E também, a cor do líquido (cerveja), do verão, do calor. Mas, justamente se olharmos para trás a história explica o uso de determinados conceitos visuais do mundo atual.

A questão é que vivemos na “sociedade da redução”, onde tudo acaba em padrões. Os estereótipos de gênero podem ser entendidos por representações generalizadas e socialmente valorizadas do que devem fazer e ser, os homens e as mulheres, isto é, seus papéis e identidades sociais. Estas convenções socialmente percebidas são, muitas vezes, traduzidas como “espelho da realidade” e uma representação fiel do que é socialmente aceito. E fica evidente, o uso destes conceitos na publicidade contemporânea. Para o sociólogo Canadense Erving Goffmanos estereótipos de gênero estão incutidos na sociedade atual, e estão sendo claramente assumidos no consumo midiático e em especial na publicidade, como reprodutora das realidades sociais e das ideologias”.

O discurso publicitário quer simular igualitarismo, homogeneidade, remover os indicadores de ordem e de poder, substituindo-os pela linguagem da sedução e da persuasão com o objetivo de incitar o consumo. Na campanha da “Devassa, Dark Ale” fica clara esta ideia, mas com o pior uso que pode-se fazer destes indicadores. O entendimento que se pode retirar de uma campanha repleta de jargões sexistas e de um profundo preconceito racial que reduz a mulher negra aos atributos corporais é de extremo mal gosto e de ordem pejorativa. Nesta ótica, as mulheres são produtos para o consumo, estão sendo vendidas em praça pública para serem consumidas. Seu papel é servir ao homem.

Revela-se os aspectos da socidade patriarcal, apesar de todas as conquistas femininas, da forte representação da mulher no mercado de trabalho, em cargos de poder. Ora, acabamos de eleger a primeira mulher presidenta no Brasil, mas continuamos na longínqua equidade de gêneros. A marca da cerveja já vende-se desta forma quando escolhe uma gíria popular ofensiva a mulher , Devassa, enquanto seu nome comercial. Fica evidente que provavelmente toda a comunicação publicitada sob esta marca será tendenciosa e de cariz sexual, de redução do status da mulher na sociedade.

É inegável que a cultura dos meios de comunicação repercute-se na vida social, induzindo e persuadindo seus espectadores. É pertinente dizer que a publicidade utiliza a emissão dirigida às massas, a grupos de pessoas distintas. Sendo assim, converge características e acaba por conceber os estereótipos que são facilmente consumidos pela sociedade. O Jornalista e Professor Norte-Americano Stephen Craig afirma que as pessoas sentem-se mais confortáveis com os estereótipos de gênero, uma vez que tais características lhes são mais familiares como reprodutora das realidades sociais” . No entanto, a publicidade existe também para achar caminhos criativos de falar o óbvio. Na minha pesquisa de mestrado, fiz um estudo comparativo entre Brasil e Portugal sobre a representação das masculinidades nas capas da Revista Men’s Health. O Brasil apresentava cerca de 70% de uso da imagem da mulher com o uso de cariz sexual que a edição portuguesa, a mesma linha visual da edição de Portugal se configura nas edições Italiana e Norte -Americana.

A mulher brasileira é vendida para o mundo com uma forte exalação de sexualidade. Esta erotização da imagem feminina no Brasil está presente também nas novelas, nos filmes e na publicidade como um todo. Certamente, nas propagandas com um target masculino este traço torna-se mais presente, especialmente nos anúncios de cervejarias. Mas, será que não existe outra forma de publicitar para o masculino? O homem vive também outro período, o da auto representação. Por que a publicidade insiste no discurso da submissão feminina e neste caso, também, de valores colonialistas do racismo contra a mulher negra? A resposta é simples, justifica-se pelo fácil, o seguro, o certo. Mas, indago-me onde está o desafio, a criatividade, o novo tão motivador das boas campanhas? A cegueira estereotipada não nos possibilita ver que o problema está na sociedade como um todo. Mas de que serve, nós comunicólogos, sermos formadores de opinião? Para veicular a mesmice, proferir o discurso comum, reproduzir valores patriarcais. Bem, acho que não.

A sociedade civil organizada e o poder público são os reguladores do funcionamento social, e deveriam intervir com força. Não deveríamos ter apenas a opção de mudar de canal, passar a página da revista ou reclamar com o vizinho o que está latente para todos. Isto não é garantia de direitos, é a garantia de opções. O CONAR trabalha enquanto regulador, mas estamos fartos de saber que as campanhas polêmicas são criadas já esperando pelo veto do CONAR, mas até isto acontecer, já foi veiculada e está na “boca do povo”. Precisamos exigir dos nossos governantes políticas punitivas enérgicas. Não falo de censura, ou aprovação do governo para veiculação de campanha, isto é retroceder. Mas punição para as marcas, agências e sim, os criativos. Temos que começar a nos responsabilizar pelos nossos atos e pela difusão da comunicação e falar com equidade para todo tipo de público, independente de sua etnia, classe, deficiência e/ou sexualidade.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Então é Natal...


Hoje em uma das deliciosas confraternizações de fim de ano, fui surpreendida com uma afirmação óbvia" falta uma semana para o Natal". Ano passado, depois de 3 natais estava em casa novamente. O aconchego do lar, o cheirinho do peru da minha mãe, a torta de abacaxi da minha tia, primos reunidos e o cheirinho de maresia do meu bairro querido.

Natal tem um significado especial, não a celebração do capitalismo materializado em troca de presentes. É uma época mágica, as pessoas tornam-se mais solidárias, sorridentes, cheias de esperança, em geral devotam um pouco mais de tempo a família e aos seus entes queridos. Para mim, é mesmo um momento de repensar o que está bom e aprimorar, o que está ruim e tentar mudar, e sim, a família.

Me considero muito abençoada por fazer parte de uma grande família. Uma família comum, cheia de problemas, mas também de perfeição . Com brigas e reconciliações, com sorrisos e lágrimas, mas sempre com muita união. Somos muito festeiros e sorridentes no bom e extremamente unidos no ruim. Nunca fomos ricos, mas o que temos dividimos, sim, nós metemos na vida uns dos outros, mas respeitamos o individual.

Escutei de um amigo visitante em Lisboa que entre o entendimento entre Pais e filhos, são uma diferença de em média 30 anos. Interessante, realmente comecei a entender uma série de atitudes e "nãos" dos meus pais a uns aninhos atrás. Já me senti diferente, abandonada, esquecida, desiludida, triste, raivosa, mas sempre que precisei ou me senti assim, ouvia as palavras sábias de uma neguinha sorridente, de pouca escolaridade, mas muita sabedoria espiritual e de vida, minha mãe. Ou simplesmente , um buchudinho piadista dizia " somos um time", meu pai, e a tempestade aos poucos virava bonança. É confortante saber que temos pessoas ao nosso lado para tudo.

Esse é ao menos o esperado, que infelizmente nem todos têm, o apoio familiar. No entanto, o que nem sempre podemos contar é com o externo, as pessoas que a vida nos coloca no caminho. Mas, estas experiências que me fazem acreditar que o mundo e as pessoas não estão de todo perdidas pelo materialismo, pela ambição de que tanto se fala. Este ano não vou passar o natal no conforto da minha família sanguínea. Mas, seremos acolhidos por uma família que fizemos com um dos laços mais bonitos da vida, a amizade. Nossa querida amiga Sofia e sua família nos convidou para participar deste momento tão íntimo e familiar. Para mim um convite repleto de significado. A mãe da Sofi, nos colocou como uma "obrigação"...Sim, se não têm família aqui, tem que vir! Um gesto aparentemente tão simples, mas tão especial. Ela não deve imaginar o bem que nos faz, sentir o calor e a sensação de estar em família.Obrigada!